terça-feira, 21 de julho de 2009

Quarenta anos depois...

Com um pouquinho de atraso aqui vai o post em homenagem aos quarenta anos da chegada do Homem a Lua.

Fonte: Revista Veja
Reportagem: Renata Moraes e DudaTeixeira

A frase mais conhecida das viagens espaciais foi ouvida por 1 bilhão de pessoas que assistiam ao vivo pela televisão à chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1969: "Este é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade". O momento, filmado de dentro do módulo lunar pelo piloto Edwin "Buzz" Aldrin, foi um espetáculo de simbolismos diversos, em sua maioria otimistas e promissores. Ainda com uma mão na escada de nove degraus e de costas para a paisagem extraterrestre, Neil Armstrong, comandante da Apollo 11, tornou-se o primeiro homem a pisar em outro mundo. O pouso na Lua foi a maior aventura da história da humanidade. Uma demonstração colossal da força poderosa do engenho e da determinação humana quando dedicados a um objetivo. Entre a decisão americana de enviar uma expedição humana ao satélite da Terra e o "pequeno passo" de Armstrong, tinha se passado menos de uma década. Quarenta anos atrás, viveu-se um daqueles momentos raros em que tudo parecia possível.

Haveria um limite para a audácia humana? Em entrevista à edição de VEJA sobre a chegada do homem à Lua, em 1969, William Pickering, diretor do Laboratório de Propulsão a Jato, o centro tecnológico da Nasa, atreveu-se a afirmar que astronautas americanos chegariam a Júpiter e Plutão em 1976. Não se pode desdenhar com os olhos do presente o entusiasmo do engenheiro ao qual devemos uma contribuição crucial para o desenvolvimento dos foguetes. Nós vivemos um futuro como foi imaginado por Júlio Verne e muitos autores de ficção científica. Lançamos espaçonaves para estudar o Sol, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e seus satélites, Netuno, cometas, asteroides e, claro, a Lua. Também colocamos telescópios em órbita para ver o universo com uma nitidez que os efeitos atenuantes da nossa atmosfera não permitem. Todos os dias há alguém empenhado em realizar experiências científicas na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), em órbita a 350 quilômetros acima da superfície do planeta. Duas sondas lançadas da Terra estão no limiar do espaço interestelar - uma fronteira que pela primeira vez será transposta por um objeto feito pelo homem. Podem-se esperar novidades cósmicas a cada semana.
Só um elemento destoa nesse cenário: a crescente certeza de que estamos presos à terceira rocha a contar do Sol. Há 37 anos nenhum ser humano coloca o pé além da órbita da Terra. As viagens da USS Enterprise, audaciosamente indo aonde ninguém jamais esteve, podem estar ao alcance de nossa tecnologia futura - mas não se deve contar com a presença do capitão James T. Kirk e de sua tripulação a bordo. O homem é fisicamente frágil e complexo demais para as distâncias e os perigos espaciais. Robôs, que não comem, não respiram, não padecem de tédio nas longas viagens e podem operar por décadas sem necessidade de reabastecimento, tornaram-se os olhos e os ouvidos do homem para além da órbita terrestre. A exploração do espaço parecia um próximo passo, natural, da caminhada humana. Não foi assim. Surpreendentemente, o programa Apollo não foi o começo, mas o fim de uma era.
No total, 24 homens foram "aonde ninguém jamais esteve". Uma dúzia efetivamente pisou no solo lunar. Os últimos foram os astronautas da Apollo 17, em dezembro de 1972. Nunca mais um astronauta ultrapassou a órbita terrestre. Craig Nelson, autor de Rocket Men (Homens-Foguete, em tradução livre), escreveu: "Apenas 25 anos se passaram entre o míssil teleguiado e o desembarque do homem na Lua e, então... nada". O interesse público pelas viagens espaciais esvaneceu-se com espantosa rapidez. Sete em cada dez habitantes do planeta nasceram depois de 1969, e para a maioria o programa Apollo é apenas uma nota de rodapé nos livros que descrevem um período conturbado da história. Na memória coletiva, os acontecimentos marcantes do tempo áureo das viagens espaciais são outros: a Guerra do Vietnã, a revolta estudantil em Paris, a revolução cultural na China, o AI-5 no Brasil. "O decepcionante é que, anos atrás, eu costumava ouvir que éramos citados nas aulas de ciência. Hoje, eles dizem que aprendem sobre a Apollo 11 nas aulas de história", lamentou-se Neil Armstrong.

Quando deixou de ser uma disputa entre os Estados Unidos e a Rússia, a exploração espacial perdeu muito de sua motivação. A Estação Espacial Internacional, um empreendimento que une americanos, canadenses, russos e europeus, desperta escasso interesse público. O programa Apollo era uma aventura. O sobe e desce dos ônibus espaciais americanos é um tédio. Somente na tragédia - os desastres com o Challenger e o Columbia, que mataram catorze astronautas, contra apenas três do programa Apollo - os lançamentos são notícia de página inteira nos jornais.
Do ponto de vista da exploração espacial, escreveu um comentarista americano, é como se depois de festejar o voo dos primeiros aviões a humanidade tivesse voltado aos trens e navios. Há várias razões para a ausência de voos para além da órbita terrestre. A mais importante é a óbvia: o espaço é um ambiente tremendamente hostil aos seres humanos, o que torna as missões tripuladas muito caras e perigosas. Mesmo ultrapassar a atmosfera terrestre exige um esforço hercúleo em termos de poder de propulsão. Os astronautas devem levar tudo de que precisam para sobreviver, da comida ao ar respirável. No espaço, a nave é exposta simultaneamente a duas temperaturas extremas: de um lado, o calor de 200 graus do Sol; do outro, o frio de 200 graus negativos da sombra. No caso da Apollo 11, a nave girava em torno de seu próprio eixo a cada vinte minutos para manter a temperatura estável a zero grau.

A falta de gravidade é desastrosa para o corpo humano - a curto prazo, os astronautas sofrem de enjoos, desorientação e insônia. Em estadas prolongadas, ela perturba a circulação sanguínea, atrofia os músculos e detona um processo similar ao de uma osteoporose em ritmo acelerado. Um astronauta de meia-idade perde 2% de sua massa óssea a cada mês de exposição à gravidade zero - o equivalente ao desgaste de um ano em condições normais. Mesmo depois do regresso à Terra, os efeitos nocivos podem se prolongar por anos. Cosmonautas russos provaram que é possível, com boa dose de sacrifício, permanecer longos períodos na órbita da Terra. Entre 1994 e 1995, Valery Polyakov passou 438 dias a bordo da estação espacial Mir - um pouco menos que o tempo necessário para chegar a Marte. Voltou com os músculos e os ossos debilitados, mas conseguiu se recuperar após uma semana de fisioterapia intensiva.
O pior ocorre quando o astronauta se afasta do planeta azul. A Terra é cercada por uma espécie de manto protetor da vida. São os dois cinturões de Van Allen, formados por íons e prótons aprisionados pelo campo magnético do planeta. Eles retêm a radiação cósmica que cruza continuamente o espaço. Em qualquer ponto além do cinturão, que cobre uma faixa entre 1 000 e 20 000 quilômetros da superfície, na região do Equador, os astronautas são expostos a essa radiação, que é cancerígena. As naves do programa Apollo tinham como proteção extra uma blindagem reciclada de um pro-jeto de avião movido a energia nuclear. Uma expedição para qualquer destino mais distante envolve longas exposições à radiação solar. Nem sequer dispomos de trajes adequados para preservar a vida em Marte. As roupas usadas na Lua seriam inúteis no planeta vermelho. Suas juntas metálicas seriam facilmente corroídas pela poeira marciana. A pressão externa faria com que o traje explodisse como uma bexiga. Por fim, existe um obstáculo para o qual nos faltam recursos: a distância. A viagem de ida e volta a Marte levaria pelo menos dezesseis meses. Para chegar ao sistema estelar mais próximo, seriam necessários 73 000 anos.
A ida do homem à Lua foi possível devido a uma janela de oportunidade aberta pela Guerra Fria. Em 1957, os soviéticos lançaram o primeiro satélite artificial, o Sputnik, dando início à corrida espacial. Um mês depois, o Sputnik 2 levou o primeiro ser vivo ao espaço - a cadela Laika. Em 1961, o russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro ser humano a subir à órbita terrestre. No início, as respostas dos Estados Unidos ao desafio foram desastrosas. Os foguetes americanos explodiam no lançamento. Atlas, Navaho, Vanguard - mudavam-se os nomes e os projetos, mas o fiasco era inevitável. Também seus satélites eram meras "laranjas" de 20 quilos, na definição do premiê soviético Nikita Kruschev. Os Sputniks lançados do cosmódromo de Baikonur, Cazaquistão, pesavam 450 quilos. Em 25 de maio de 1961, antes que os Estados Unidos tivessem colocado um único astronauta em órbita, John Kennedy fez um discurso exortando o país a "mandar um homem à Lua e trazê-lo de volta em segurança" até o fim da década. O presidente abraçou o projeto de ir à Lua não por entusiasmo pessoal, mas pelo orgulho ferido por duas derrotas recentes para os soviéticos: o voo de Yuri Gagarin e o desastre do desembarque dos anticastristas na Baía dos Porcos, em Cuba.

A Nasa, então recém-criada, foi brindada com um orçamento praticamente ilimitado. "Por um curto período de tempo, a agência recebeu todo o dinheiro de que precisava para conduzir o projeto Apollo a toque de caixa", disse a VEJA Eric Jones, historiador da Nasa. "Sem o apoio político e o dinheiro, teríamos chegado à Lua somente nos anos 80." No auge do programa Apollo, a agência espacial americana chegou a receber 5% do orçamento do governo americano. Em comparação, recebe atualmente 0,5%. Levou algum tempo para azeitar o projeto. A Apollo 1 pegou fogo em solo, durante uma simulação, matando os três tripulantes. O presidente Richard Nixon tinha um discurso pronto para o caso de os astronautas da Apollo 11 morrerem durante a missão.

Não havia plano B para resgatar Neil Armstrong e "Buzz" Aldrin na superfície lunar em caso de falha no retorno ao módulo de comando, onde o terceiro astronauta, Michael Collins, os aguardava. Mesmo que uma nave fosse enviada da Terra, não chegaria a tempo de resgatá-los com vida. Quando deixaram a superfície lunar, o módulo dispunha de apenas 36 horas de oxigênio. Caso o pior acontecesse, outras duas missões Apollo estavam programadas para ir à Lua até novembro de 1969, para garantir que o prazo estipulado por Kennedy fosse cumprido. Enquanto Armstrong e Aldrin dormiam no módulo lunar e Michael Collins aguardava em órbita, uma sonda soviética, a Luna 15, que deveria coletar amostras do solo, espatifou-se em outra parte da Lua. Da mesma forma que duas décadas depois seria batida na Guerra Fria, a União Soviética acabava de perder a corrida espacial.

O programa Apollo acabou em 1972, com o cancelamento das três últimas missões programadas. A exploração da Lua já não despertava o interesse do público. Emissoras de televisão tinham sido inundadas de reclamações de telespectadores descontentes com a interrupção da programação para a transmissão do lançamento da Apollo 17, a última viagem à Lua. As sondas americanas são espetaculares, mas, no que diz respeito às espaçonaves tripuladas, a Nasa continua na rota estabelecida quando Richard Nixon era o presidente. Os astronautas sobem à orbita terrestre em ônibus espaciais cujo projeto é dos anos 70 e que estão destinados a virar sucata no próximo ano.

A Nasa planeja a volta do homem ao solo lunar para 2020. Batizado de Constellation, o projeto americano vai repetir a rota consagrada pelo programa Apollo, com a exceção de que o lançamento da nave e do módulo lunar será feito com dois foguetes separados. A nave, chamada de Orion, foi descrita pela Nasa como "uma Apollo anabolizada". A ideia de construir uma base permanente na Lua, propagandeada durante o anúncio do programa, em 2004, já foi abortada por não caber no orçamento. Salvo receba outro empurrão político como o que deu existência ao programa Apollo, a volta à Lua deve apenas comprovar a sina de que estamos definitivamente presos ao planeta Terra. O grande passo da humanidade de que falou Armstrong, que seria a viagem além da Lua, ainda parece distante.

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